mais-ou-menos
tenho um deserto relutante entre os lábios cauterizando as dobras e vincos mal formados pelo que se foi. Tenho uns restos de uma canção tocada na ultima hora, mas já é tarde demais, a canção acabou, acabou até aquela sensação. E continuo não acreditando no nunca, acredito na oração de todos os dias, na qual renascemos em lágrimas que nos fazem crescer em risos. Hoje eu serei melhor que ontem e o amanhã pertence ao meu silêncio. Eu choro e procuro pelos restos do drama que deixei naquele véu infindável de acontecimentos. Porque tudo é sujo, porque tentamos limpar o que não vemos e o que não se vê. Tentamos não ver o que nos dói mais, esperando que um dia tudo anestesie. Pois sim, eu não fecho os olhos para o meu coração. E meu coração é tão vão, tão... tão são. Ser vítima de mim? Dos meus, das minhas invisíveis fases, do meu silêncio e da falta de compreensão. Sinto muito, não admito pessoas rasas. - Relato de Maria.
...
entenda, seja apenas interprete das coisas que te tocam.
e como ela eu amo com dor e dúvida, com um pormenor desagradável, eu amo muito, muito.
- alguém poderia me ensinar a plástica de se viver? - gritou Maria, meio amarelada.
- te ensino, é assim ó:
ponha pela garganta todo o teu meio ou o teu mais-ou-menos, seja como for, seja transparente, deixe escorrer, lambuze-se, faça do ato uma esperança, ainda que seja vã, apague as luzes que te acendem, apague a compreensão e sinta, resvale-se, esqueça pontuações, pelo menos uma vez na vida seja menos reticente, tente, seja, exista apenas para você, pinte-se, desnude-se, toque-se, sinta cada dobra de teu corpo, cada líquido, cada música, cada estação que se passou, e se ainda acredita, pense em Deus, é, acenda um incenso, ouça aquela musica que mais te emociona, seja sozinho agora e daqui a pouco, converse com teu ego, resplandeça-o, chore muito, porque assim aprenderá que tua dor não é tão forte assim, esqueça qualquer raciocínio lógico, porque neste exato minuto de egoísmo nada mais importa a não ser você, tenha em mãos a tua história e construa teu mural, teus recortes de jornal, as passagens preferidas dos livros preferidos, os teus personagens, recite um verso, ouça as cordas de um violão e cante, dance desvairadamente ouvindo estrelas e se teu nó não desatar tente novamente, porque de tudo o que dispomos só nos vale a tal eternidade.