17.2.05

fio de liberdade

A mudez mais uma vez pediu calma. Vibrou num delírio e explodiu arrancando as mãos da boca. Andava meio cansada de pensar por dentro, de guardar sua maturidade como um cubo de gelo entre os dedos. Desabrochou-se tímida e suntuosa e dançou tão vorazmente que nesse súbito desejou palmas e sacrifícios alheios. Os olhares obscurecidos pela impaciência tornaram-se atônitos e desculpados diante de tanta beleza. A mudez olhou de lado e sorriu breve. Contou naquele monólogo as vigas de seu edifício, os traços de sua temente escadaria e os degraus escorregadios. Às vezes engasgando, mas contando, cantando e encantando num tom melódico. E disse o seu amor de uma forma tão densa e escandalosa que sentiu vergonha de ser. Os olhos atentos procuraram nos seus vincos as sensações cobertas pelo antigo silêncio. Ela então arregalou-se e foi lambida rudemente por tais olhos salgados, estranhos, alegres e adolescentes. Sentia-se naquele momento uma simbiose crônica entre a mudez e os olhos sacrificados e naquele exato momento nada mais tinha importância.

REGALO:
É quando sentamos diante de nós mesmos e vomitamos os medos.
É quando damos um passo sem pensar no tropeço previsto.