14.2.05

aquela flor amarela

Quero ser essa loucura desmedida que nos pega pouco a pouco a cada minuto oco, tosco, afoito, sem dono. Deixe-me ser guia dos semblantes entre os que passam por nós e os que nos pegam na subtaneidade. Eu quero. Por favor, preciso do andarilho que me apunhala com um olhar de pena. Pobre! - ele diz. E eu sigo sem temor, pois sei que sou isso, o que todos pensam o que ele diz, eu sei, por isso como a carne e lambo meus dedos, até que já não sangre mais por dentro. Eu sei. Tenho anos guardados no bolso daquela calça jeans que já não me serve mais. Eu tenho. Tenho cores nas camisetas rasgadas e corroídas pelo odor da pele seca de fome, de suor, de sentido. Toque, bem aqui, por favor. Então eu me resvalo em riso frenético e danço, boneca, menina, doce, feliz para você. Me enrolo naquela casca que me fez sombra e me deixou dormir. Fecho os olhos e tento engolir os pingos da construção de vozes que ecoam, que orvalham em mim. Seca, boneca, menina, doce que salta para o próximo momento sem deixar vestígios. Eu sou, simples assim. Vai embora, pois que é chamada para o paraíso sem nome, para o homem, para a próxima morte - ouvi. Não fui. Fiquei a espreitar as danças, os sorrisos embebidos de sonho e álcool, de drogas e ervas, de vida e mocidade. Eu escolhi ser presa pela loucura, ser amarrada pela doçura e ser reconstruída pelo desejo, como aquela flor amarela que plantei no quintal de casa e que hoje se assume risonha, menina doce que brilha, para quem interessar possa, todo o seu sumo de cor. Que se põe na madrugada, que se abre aos primeiros raios, que se diz plena, cheia, vasta, flor madura de gozo e que entre todo o amarelo ainda guarda uma pétala sóbria que chora e que vive sua notória e vã intimidade. Simplesmente.