20.1.05

jaz Maria

Houve um devaneio incapaz de dar um passo a frente e manobrar todos os delírios que, berrados como brasa quente, inundavam, transgrediam, possuíam a noite manca.

Sentada, solta, jogada no chão daquela praça, ouvia passos lentos de gentes e formas sem nenhuma cor. Gritava e se arranhava tirando todo o leite que, por Deus, lhe foi emprestado. Seu seio gemia duro, forte e cheio de inutilidade. Ela teve um filho morto, ela própria, por isso, era uma mulher quase morta. Não tinha mais nada e ninguém para ter em seus braços. Teve um homem morto que a possuiu de olhos fechados e mente insana. Teve um filho morto que escorreu entre suas pernas, como sangue pisado. Teve por quase meses, uma quase-vida, quase foi perfeita, quase aconteceu e ela quase sonhou ter um sorriso fácil. Maria, que um dia foi tida Madalena, tentou existir, foi mulher de garras fortes, que um dia se desarrumou e saiu para dançar nua e fértil. Maria, tentou saber sorrir, saber amar, saber-se amada. Tentou como todos tentam e Maria não conseguiu e não há explicação palpável, não há análise que se faça de uma vida oca, da falta de amor. Maria deixou de existir naquela noite manca, para poder agarrar seu filho morto além dessa selva que a sujou toda.

Jaz Maria como qualquer outra.

E nada há de se embalar em verdades, nada é verdade. As tristezas que morrem em praça pública são para serem contadas, apenas como tatuagens. Uns morrem, outros nascem sem qualquer motivo aparente, mas nascem cheios de veracidade. Uns se enganam, uns apenas mentem, uns não sabem viver, outros não sabem morrer, alguns não sabem matar.

Maria morreu para o nada, porque nasceu para o nada e isso acontece mais do que certamente. Ela sentiu dor, mas na vida se não é vivo não dói, se não ama não machuca, se não enxerga para dentro não prolifera.

A beleza está intrínseca no não-entendimento, na coisa-alguma e é só.