21.2.05

meu palco

Lá eu dizia o que escorria por dentro, da forma mais sangrenta e esquisita possível, era livre. E lá eu não tinha um corpo, tinha apenas os dedos e uma mente inteligente. De uma forma sutil eu gritava e todos me ouviam, me aplaudiam, me odiavam e me enfeitavam com suas rosas vermelhas jogadas pelo palco, para o palco. Lá era personagem desprovida de pudor. Era libidinosa, erótica, segura e incolor. Alcançava o dinamismo da palavra em questão de segundos transformando-as em amor. De salto e uma cinta-liga preta, trepava em arames farpados me contorcendo de dor e mais dor e incorporando uma dama, uma diva moderna e uma menina caótica, num apartamento caótico deixei minha metáfora jogar minha taça de vinho seco - caótico - no chão. Tinha como companheiros inseparáveis o meu deus, o meu refúgio, minha droga de vida e meu vício de morrer. E sozinha me arrastava entre cenários, coxias, luzes e espelhos quebrados lembrando de uma saudosa canção que faleceu numa rua sem saída. Meu monólogo era vivo, intenso e complicado. Lá eu era fantasia divagando as intempéries da solidão. Não, por favor, não me chamem de Marlene, nem de Dolores, eu não tinha sequer uma identificação. Era o sábio e o plebeu de Confúcio, em uma forte alusão ao príncipe e seu povo. In memoriam de um padre lésbico interpretei um dom ruam qualquer e me apaixonei pela fala, pelo básico envolto por uma espada sem censura e me cortei. Hoje, num mundo esquecido, numa viagem sem vida, como num lugar qualquer eu acabei por me perder e foi assim, pois lá não haviam caminhos, placas, mapas. E agora estou aqui e o que eu faço? Desaprendi a viver dentro de mim.