11.3.05

te reconheço

à Maria de Lourdes, em memória

Olhos da face que escondem uma vida. Vida de prantos e surras sacramentais. O medo do próximo jogo, o medo de perder-se em fogo. Olhos que de tão entristecidos já não brilham mais, já não vêem mais o iridescer do fim da tarde, a brisa do começo da noite e o calor do dia crescente. Olhos negros como ébano, profundos como uma cratera traiçoeira que te faz afundar em pensamentos desconexos e obscuros. Tenho medo desses olhos que na face fastidiosa se escondem e clamam por vida à mente presa em dissabores de maus hábitos ou hábitos impensados (como os meus). Olhos de uma alma menina, porém sôfrega e piedosa, de um corpo que morre e desaparece nas areias do tempo. Eu te reconheço nos olhos impressos e tristes que um dia se apagaram. Te reconheço num ser que ainda te ama e clama por ti, por um abraço mesmo que de tão triste já não tenha mais força, por um olhar materno, mesmo que esse olhar já não brilhe mais (aqui). Eu te reconheço no coração apertado e saudoso desse ser que ainda chora por ti e pede por tua presença invisível, por tuas mãos, por teu carinho indizível. Anjo caído de cabelos longos e negros, de pele branca e de alma cinza, te reconheço no preto e branco dos dias pálidos e das noites lustrosas de sombras. Eu te reconheço, corpúsculo da mente carente, na tua fotografia rasgada e envelhecida. Te reconheço nela, na pintura traçada pelas mãos Dele, que resiste ao encalço do tempo e que para mim hoje sorri. Eu te reconheço, mãe divina, que agora ocupa um lugar sagrado conquistado pelo corpo que sentiu a dor da vida e o suspiro da morte. Eu te reconheço, peço tua benção e agradeço por ter me deixado teu ovo frágil que por mim será aquecido e cuidado no calor do peito sedento de amor. Eu te reconheço e te guardo para um dia nos reencontrarmos e nos reconhecermos em carne e osso e alma limpa, cheia de vida e anseios. Eu te reconheço e me despeço com um adeus para não chorar no silêncio da saudade que chega de leve. Eu te reconheço e então finalmente eu digo - "Adeus e Até Breve".