19.7.05

impressão

- Por falar nisso, digo agora entre aspas que amo loucamente; aquele vago que agora preenche; sem pressa e distanciada, eu amo loucamente, você entende? Traduz? – regurgitou num soluço. E eu pensei, interrompida e discreta: - "Quisera ser eu" - e ela continuou, como se desse vírgula a um devaneio qualquer, enquanto eu apenas pensava "quisera ser eu"...

- Não quero ater-me no que me ocorre por ter tanta lástima a contar-lhe. Demoraria demais e não temos tempo, pois o trem já aponta lá adiante. Tenho tantas malas e uma mochila enorme nas costas, preciso descarregar-me com urgência. O café que Dona Santa prepara na pensão me provocou uma úlcera, nem te conto, mas tenho saudade, posso até sentir o cheiro ácido. A estrada é tão linda, combina com "As Meninas" que leio sem ar, Lygia F T não me deixa respirar, palpito intensidades com suas miríades e minúcias. Ando tão vaga que já me esqueci que estava te dizendo, o que era mesmo? – perguntou num tom de resmungo perdida no meio de tantas malas e assuntos. Eu, empregnada pela partida, respondi: - "Tu falavas...". Nem me notou e como se fosse tragada por uma onda entrou no trem sem olhar para trás.

-"Tu falavas de amor!" - resumi por dentro.

E o trem partiu sem demora, deixando o rastro de história e fervura de uma Rosa, que revolveu um coração tal como o cheiro do café ácido de Dona Santa que imaginei. Algo restou aqui em meus sentidos e em minha pele uma tatuagem que disse "quisera ser eu" me levará adiante como um breve beijo que não recebi e que vagará por meus desejos.

Sem combinar muito com a saudade, atropelada pela impressão que tal flor me deixou, eu gritei: - Adeus, adeus minha Rosa" - e num tom de murmúrio soltei um "Eu te amo" e sorri timidamente de susto ao descobrir o meu segredo.




vega becker